quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Editorial da Folha de S.Paulo do dia 04/02/2010

Pela pluralidade

É bom para a democracia que Ciro Gomes e Marina Silva se lancem como opções e incomodem petistas e tucanos

PODE-SE GOSTAR ou não de Ciro Gomes. Pode-se considerá-lo um político com muitas ideias e perfil arrojado, alguém com capacidade de formulação e liderança incomuns no cenário público brasileiro. Pode-se também pensar que o deputado federal pelo PSB é figura de perfil autoritário e tendências voluntaristas, personalidade irascível, que se destempera com facilidade -alguém, além do mais, que pulou de sigla em sigla ao longo da sua trajetória política.

Goste-se ou não de Ciro Gomes e do que ele representa politicamente, de uma coisa é difícil discordar: com sua presença, a campanha presidencial tende a ser mais rica em discussões, propostas, confrontos de ideias.

Não se trata aqui de defender uma candidatura, qualquer que fosse, mas o salutar valor da pluralidade. Ciro Gomes reapareceu em público anteontem, depois de um período de férias, reiterando a sua disposição de disputar a Presidência. Disse que pretende se apresentar como "opção" ao eleitor, que não ficaria obrigado a "votar por negação" -o que, segundo ele, aconteceria numa eleição plebiscitária entre José Serra, pelos tucanos, e Dilma Rousseff, pelo PT.

O mesmo argumento vale para Marina Silva, ex-ministra de Lula, senadora pelo PV. Sua postulação à Presidência tem o mérito de incorporar ao debate temas emergentes na agenda global, relacionados à preservação do ambiente e ao chamado desenvolvimento sustentável, que sem ela provavelmente teriam presença mais discreta e lateral na dinâmica da campanha.

Mais do que isso, porém, tanto a participação de Marina como a de Ciro fazem bem ao processo eleitoral porque desafiam a lógica plebiscitária. Tal lógica interessa a PT e PSDB, embora os argumentos de cada um possam variar. Para o eleitor, no entanto, a escolha de tipo plebiscitário só faz sentido no segundo turno. Antes disso, parece ser apenas uma limitação artificial e precoce do processo democrático.

Ninguém desconhece o fato histórico de que PSDB e PT disputam a hegemonia política do país já há quatro eleições consecutivas. Os partidos se constituíram a partir do Plano Real e da eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, como polos do poder, no que foi batizado de "concertação brasileira" -uma alusão livre ao arranjo institucional da política chilena.

Ninguém ignora tampouco a grande probabilidade de essa polarização (em parte, diga-se, forjada por antigos interesses da política paulista) repetir-se no pleito deste ano, conforme já sugerem as pesquisas eleitorais. E essa é mais uma razão para que se veja com bons olhos a ampliação do debate no primeiro turno

Ciro Gomes disse anteontem que a aliança entre PT e PMDB parece um "roçado de escândalos". Não faz muito, havia dito de José Serra que era "mais feio por dentro do que por fora". Pode-se discordar de uma ou outra coisa. Pode-se discordar inclusive desse estilo. Mas é saudável para a democracia que Ciro e Marina existam como opções e possam incomodar petistas e tucanos.

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